terça-feira, 9 de dezembro de 2008

ENTREVISTA CONCEDIDA PELO PRESIDENTE DA OAB - PI



"MEC banalizou o ensino jurídico"
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Piauí, Norberto Campelo, afirmou que o desperdício e a corrupção no setor público formam um "câncer que corrói o país". Para ele, estes fatores, aliados à alta carga de impostos, impedem o Brasil de dar um salto de qualidade. Campelo falou à Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí sobre o atual papel da OAB no país, o futuro da advocacia nacional e suas expectativas. Há dois anos, Norberto ocupa a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que a partir de sua gestão ganhou importantes prerrogativas junto ao governo estadual.

ASCOM - Qual é o quadro atual da formação do advogado brasileiro?
Acho que o ensino tornou-se mecânico. Perdemos muito da formação humanitária que acompanhava o estudo do direito. A advocacia tem sido ensinada sem a magia que de fato a envolve. Uma profissão diferenciada, exercida como verdadeiro sacerdócio, por alguém que saberá dos segredos das pessoas e lidará com seus interesses mais importantes, passou a ser ensinada como um meio de vida.

ASCOM - A postura do MEC, como órgão fiscalizador do ensino superior, afrouxou nesse sentido?
O MEC é o grande responsável por essa situação. Fez da abertura de cursos jurídicos no País, moeda de troca política. Banalizou o ensino jurídico, entregando nas mãos de pessoas nem sempre comprometidas com sua qualidade. Se é verdade que precisávamos de mais vagas para o curso de direito, também é verdade que essas vagas tinham que ser criadas com critérios rígidos e controle absoluto do MEC, evitando o desastre em que se tornou a proliferação de cursos pelo país afora. Essa situação é hoje criticada internacionalmente.

ASCOM - Quais são os estados com mais problemas em relação a essa formação no ensino superior?
O Exame de Ordem tem demonstrado que é a região Norte do País, onde os bacharéis têm obtido os piores resultados. Mas isso não significa que não haja problemas por todo o País. Por exemplo, temos no Piauí quase vinte cursos jurídicos com um número insuficiente de professores mestres. Mesmo assim o próprio MEC dificulta a abertura de curso de mestrado, porque também não temos doutores suficientes. Não é porque alguém é um bom advogado ou mesmo que tenha bons conhecimentos jurídicos, que está habilitado a dar aulas. E ainda vamos conviver muito tempo com esse problema.

ASCOM – Algumas pessoas falam que o Exame de Ordem é uma prova de “decoreba”. Como o senhor classifica essa afirmação?
Ao menos em parte eu concordo. Mas ninguém apresentou até agora uma maneira mais eficiente para esta necessária avaliação. O Conselho Federal estuda permanentemente o assunto e acredito que a tendência é evoluirmos. E se alguém tiver alguma sugestão, a OAB está pronta para receber.

ASCOM - O senhor concorda com o pedido do Ministério Público Federal, de que a OAB não exija o diploma para a inscrição no Exame de Ordem?
Indiscriminadamente não. A regra é a sua apresentação prévia. Mas em algumas circunstâncias a OAB admite inscrever o bacharel no exame, sempre com a advertência de que o resultado será condicionado a sua apresentação. É quando, mesmo terminado o curso, não houve tempo suficiente para a ultimação dos atos de sua expedição. Obviamente que o ingresso nos quadros da OAB exige o diploma, além de outros requisitos, decorrentes da própria lei.

ASCOM - Até que ponto as acusações de corporativismo feitas à OAB têm sentido?
A missão de fiscalizar o exercício profissional é sempre muito difícil de ser exercida. Por esse motivo, a estrutura da OAB conta com um Tribunal de Ética independente de sua diretoria. Temos também um Código de Ética muito rígido, que disciplina o exercício da advocacia. Na nossa Seccional temos respeitado essa independência, além de observar que nosso Tribunal tem trabalhado muito, cumprindo sua missão. Se tivemos este problema no passado, já foi superado. Não temos notícia de corporativismo nessa gestão, mas sabemos o quanto é difícil julgar o próprio colega. Gostaríamos que as outras instituições seguissem este exemplo, pois um mau profissional acaba prejudicando toda uma classe.ASCOM - Como a OAB combate a corrupção dentro da categoria, já que a maior parte das queixas no seu Tribunal de Ética é ligada à lesão financeira a clientes?Não é essa a realidade. O maior número de queixas é com relação a atuação profissional, que quase sempre não se constitui em falta ética. Quanto aos casos de lesão a clientes, temos visto muito rigor. Já assistimos a julgamentos de recurso perante o Conselho, que mesmo com a devolução de valores, aplicou-se a pena. Nem mesmo o arrependimento tem sido motivo para absolvição.

ASCOM – O senhor acredita que a OAB é a entidade de classe que mais pune seus membros no país?
Mesmo não tendo informações concretas em relação às demais entidades, acredito que sim. Recebemos mensalmente o resultado de julgamentos de outras Seccionais, além da nossa e vemos que a atuação dos Tribunais de Ética das OABs é muita intensa. E em relação à nossa posso afirmar que nunca foi tão atuante.

ASCOM – E o senhor acredita que o novo governo Lula dará mais passos para melhorar a educação?
Acredito muito no Brasil. Sou otimista com o nosso futuro e vejo que temos melhorado neste quesito, embora ache que temos que acelerar o processo. Já pusemos as crianças na escola, agora temos que dar qualidade ao ensino, que ainda é muito ruim. Fruto de erros e falta de iniciativa do passado. Basta lembrar que até bem pouco tempo admitíamos no Brasil a figura do professor leigo, um absurdo. Alguém sem qualquer qualificação profissional ensinando nossas crianças. Claro que isso nos traria, como de fato trouxe, um enorme atraso no processo educativo (uma legião de analfabetos funcionais). Ainda não superamos essa fase. Temos que qualificar melhor nossos professores. Não basta só salário, tem que ter formação. Também precisamos de qualidade física nas escolas públicas, com materiais didáticos de primeira linha e métodos modernos de ensino. Tudo isso vai demandar muitos recursos. Acredito na boa vontade do Presidente Lula para com os mais humildes e com o Brasil, que depende desse avanço para se tornar um País de primeiro mundo. Aliás, acho que esse caminho não tem volta, os governos futuros, seja quem esteja a sua frente, continuarão essa missão. Cabe a todos nós exigir essa postura.

ASCOM – Quais são os pontos imprescindíveis para a tão esperada reforma do Judiciário?
O que mais me preocupa é por a culpa pela morosidade do Judiciário nos recursos existentes. Acho esse um grave equívoco. Vamos perder em segurança jurídica e não vamos resolver o problema. Para mim, três são os principais problemas que afligem a Justiça Brasileira: O primeiro é o desrespeito à cidadania. Se o poder público respeitasse o cidadão brasileiro as demandas não chegariam em excesso ao Judiciário. O poder público é o maior cliente do Judiciário, em todas as esferas (municipal, estadual e federal). Se os direitos mais óbvios fossem concedidos administrativamente não haveria necessidade de acionar a Justiça. E observe que muitos acabam não tendo acesso a Justiça e mesmo desrespeitado em seus direitos não busca a reparação no Judiciário. Somente para se ter uma idéia do que afirmo, o Governo Federal tem se mostrado contra a criação de novos juizados especiais federais, para não ter que responder a uma avalanche de novos processos, contabilizando como “grande prejuízo”, especialmente à previdência, os que teve que responder com a criação dos atuais. Veja que o acesso ainda é parcial. O segundo é a ausência da cultura da conciliação, problema já resolvido pela Justiça do Trabalho, onde um número expressivo de ações se resolve na primeira ou segunda audiência. Na Justiça comum estas audiência têm acontecido apenas para cumprimento da lei que as determina, sem qualquer objetividade. E terceiro, e não menos grave, a falta de estrutura. Não devemos calcular o número de Juízes apenas levando em conta o contingente populacional, mas a quantidade de demandas existentes e a demanda reprimida. Além do mais, precisamos de maior suporte aos Juízes. Por exemplo, na Justiça de nosso Estado os Juízes não têm assessores para lhe auxiliar, sendo responsáveis pelo expediente de suas varas e comarcas, atendimento a advogados, servidores e finalmente pelos despachos e sentenças. Essa fórmula não vai dar certo nunca. Acho que a Justiça brasileira tem que primar pelo profissionalismo, tanto de seus magistrados como de seus servidores. Todos têm que conhecer melhor sua missão, sua importância e suas obrigações.

ASCOM – O Brasil é, de fato, um país democrático?
Ainda não. Estamos em processo de consolidação de nossa democracia, que pressupõe o respeito irrestrito à dignidade da pessoa humana e a possibilidade do exercício pleno da cidadania. Sei que isso vai acontecer, mas depende da geração atual deixar esse legado às gerações futuras, que melhor desfrutarão de um País verdadeiramente democrático.

ASCOM – Em que posição estamos em relação aos direitos humanos?
Acanhados. Primeiro é preciso lembrar que direitos humanos abrange uma grande responsabilidade do Estado em proporcionar bem estar, segurança, saúde, moradia, respeito aos direitos e garantias individuais e coletivos, e o Brasil certamente ainda não conseguiu superar este desafio. Lamentamos também que ainda existam movimentos contrários a esses avanços, como se não fosse possível combater a corrupção e o crime com respeito a esses direitos de forma irrestrita.

ASCOM – Como uma instituição de peso político social, o que a OAB tem feito para melhorar essa situação?
Resistindo, lutando contra o discurso fácil. Falar em direitos humanos é sempre impopular. As pessoas têm uma opinião formada equivocadamente. Associa direitos humanos ao cometimento de crime. Acham que direitos humanos foram criados para criminosos, e precisamos lutar contra essa idéia, embora frequentemente sejam essas pessoas que lutam pela preservação de seus direitos. Mas os direitos humanos são inerentes à própria pessoa humana. E todos nós somos detentores desse direito e sempre devemos invoca-lo. A OAB e os advogados, mesmo incorrendo em impopularidade, são obrigados a defenderem os direitos humanos. Fizemos este juramento ao ingressar nos quadros da Ordem. Temos o dever de orientar a sociedade sobre os riscos de abrir mão desses direitos, mesmo que em nome de uma boa causa. Cumpre ao Poder Público desempenhar o seu papel sempre respeitando-os.

ASCOM – E a Defensoria Pública tem ajudado a melhorar a situação?
A defensoria pública ganhou força com a Constituição de 88, sendo um importante órgão na luta contra a desigualdade social. Seu público alvo é carente e sofre pelo descaso estatal. Cumpre a seus membros lutarem por uma estrutura cada vez maior e manter em seus quadros pessoas vocacionadas. Com certeza a defesa dos direitos humanos está sempre muito presente na vida do defensor público, cuja clientela é quase sempre muito desrespeitada. Confesso que foi o meu primeiro sonho ao me bacharelar em direito.

ASCOM – Como a Justiça brasileira tem se colocado diante do debate global sobre as novas

tecnologias?
Acho que a Justiça despertou para a necessidade de se aprimorar tecnologicamente. Como retardou nesse processo, está pagando um alto preço. Mas seremos capazes de superar este atraso. Quando digo nós, lembro que os advogados têm que acompanhar este processo, pois o futuro próximo está a sinalizar para o mundo virtual e os advogados vão ter que aprender a trabalhar com essa nova realidade. Os dirigentes do judiciário vão ter que buscar parceria com a OAB para emplacar bem este processo de transição, para que não haja prejuízos para a sociedade.

ASCOM - O senhor concorda com a posição Supremo Tribunal Federal, de que para exercer a profissão de jornalista não seja exigido o diploma de formação acadêmica?
Não. Todas as profissões têm que ser regulamentadas e profissionalizadas de modo criterioso. Especialmente uma profissão com tanta importância no mundo moderno. A informação é um bem muito precioso para ser trabalhada por quem não tenha uma formação acadêmica específica. Acho que é uma profissão compatível com outras, inclusive com a de advogado, mas que deveria exigir ao menos uma pós-graduação de quem tivesse outra formação. E exerce-la sem um nível superior, acho que num futuro próximo será impensável. Talvez o correto seja a criação de uma forma de transição do modelo atual, para um modelo mais complexo e exigente no futuro, dando oportunidade a todos que queiram permanecer na profissão ou nela ingressar.

ASCOM – Esse posicionamento não abre um precedente perigoso no sentido de qualquer pessoa obter uma carteira de jornalista e sair por aí praticando atos ilícitos?
Sem sombra de dúvidas. Essa é uma das razões porque defendo a profissionalização, exatamente por isso que vejo a necessidade de um maior controle no acesso às profissões em geral, especialmente, no jornalismo que detém tanto poder. Como disse, a informação é um bem muito precioso no mundo moderno e tem que ser trabalhada com muita responsabilidade, porque o seu mal uso pode acarretar danos irreparáveis às pessoas e instituições. Apesar da própria Constituição Federal dar a solução para eventuais danos, sabemos que na prática as reparações não se dão com tanta facilidade, nem de modo satisfatório, acabando por beneficiar o infrator. Temos que aprender a conviver com a liberdade de expressão, mas sermos mais rigorosos com os abusos, e uma boa forma de controle passa por maior exigência na formação dos profissionais.


Entrevista concedida ao jornalista Dinavan Fernandes Araújo (ASCOM/TJPI)

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